PREFÁCIO
Para falarmos de “exus e pombogiras”, seus dogmas e definições no Brasil, precisamos voltar no tempo, em uma época (não muito diferente de hoje em dia), onde o culto aos orixás e eguns era visto como bruxaria, satanismo e punida pela Santa Igreja Católica. Muito foi deturpado, modificado, transformado pelo preconceito secular, nada que assuste Exu, afinal, é elemento de transformação contínua, a boca do mundo que apenas faz questão de ser sempre lembrado em primeiro lugar, independente da forma. Mesmo sendo um trabalho voltado as definições da “palavra “esquerda” no rito de umbanda, é essencial adentrarmos um pouco no culto do Candomblé, para entendermos como foi reagrupado o panteão afro-brasileiro em “direita” e “esquerda”…
O Brasil tem uma larga tradição católica de devoção aos santos, com os quais os fiéis estabelecem relações de favor e de troca que presumem sempre uma certa intimidade com as coisas do mundo sagrado. (Camargo et al., 1973) Com o espraiamento das tradições afro-brasileiras no curso deste século, parece que essa intimidade com personagens do mundo sagrado – agora sobretudo com divindades afro-brasileiras, com as quais os santos se sincretizam, mais os espíritos dos mortos – ter-se-ia intensificado. De fato, há uma infindável lista de famílias ou classes de entidades sobrenaturais com que fiéis brasileiros podem estabelecer relações religiosas e mágicas e contatos personalizados, especialmente através de cerimônias em que essas entidades se apresentam através do transe de incorporação: os caboclos, pretos velhos, ciganos, príncipes, marinheiros, guias de luz, espíritos das trevas, encantados, além dos orixás e voduns.
A Pombogira e exu, cultuados nos candomblés e umbandas, são um desses personagens muito populares no Brasil. Sua origem está nos candomblés, em que seu culto se constituiu a partir de entrecruzamentos de tradições africanas e européias. A Pombogira é considerada um exu feminino. O exu, na tradição dos candomblés de origem predominantemente iorubá (ritos Ketu, Efan e Nagô pernambucano), é o orixá mensageiro entre os homens e o mundo de todos os orixás (e transformado em demônio dos negros, durante o processo de escravidão dos negros africanos no Brasil).
Na língua ritual dos candomblés angola (de tradição banto), o nome de exu é Bongbogirá. Certamente Pombagira (PomboGira) é uma corruptela de Bongbogirá, e o nome acabou por restringir-se à qualidade feminina de exu (Augras,1989). Na umbanda-formada, nos anos 30 deste século, do encontro de tradições religiosas afro-brasileiras com o espiritismo kardecista francês -, Pombogira faz parte do panteão de entidades que trabalham na “esquerda”, isto é, numa visão deturpada, que podem ser invocadas para “trabalhar para o mal”, em contraste com aquelas entidades da “direita”, que só seriam invocadas em nome do “bem”. (Camargo, 1961: Prandi, 1991)
Embora conserve do candomblé a veneração dos orixás, a umbanda, religião que desenvolveu e sistematizou o culto à Pombogira como entidade dotada de identidade própria, é uma religião centrada no culto dos caboclos e pretos velhos, além de outras entidades. Embora o candomblé não faça distinção entre o bem e o mal no sentido judaico-cristão, uma vez que seu sistema de moralidade se baseia na relação estrita entre homem e orixá, relação essa de caráter propiciatório e sacrificial, e não entre os homens como uma comunidade em que o bem do indivíduo está inscrito no bem coletivo (Prandi, 1991), a umbanda, por sua herança kardecista, preservou o bem e o mal como dois campos legítimos de atuação, mas tratou logo de os separar em departamentos distintos. A umbanda se divide numa linha da direita, voltada para a prática do bem e que trata com entidades “desenvolvidas”, e numa linha da “esquerda”, a parte que pode trabalhar para o “mal”, também chamada quimbanda, e cujas divindades, “atrasadas” ou demoníacas, sincretizam-se com aquelas do inferno católico ou delas são tributárias. Essa divisão, contudo, pode ser meramente formal, como uma orientação classificatória estritamente ritual e com frouxa importância ética. Na prática, não há quimbanda sem umbanda nem quimbadeiro sem umbandista, pois são duas faces de uma mesma concepção religiosa.
Assim, estão do lado “direito” os orixás, sincretizados com os santos católicos, e que ocupam no panteão o posto de chefes de linhas e falanges, que são reverenciados mas que pouco ou nada participam do “trabalho” da umbanda, isto é, da intervenção mágica no mundo dos homens para a solução de todos os seus problemas, que é o objetivo primeiro da umbanda enquanto religião ritual. Ainda do lado do “bem” estão o caboclo (que representa a origem brasileira autêntica, o antepassado indígena) e o preto velho (símbolo da raiz africana e marca do passado escravista e de uma vida de sofrimentos e purgação de pecados). Embora religião surgida neste século, durante e em função do processo intenso de urbanização e industrialização, o panteão da umbanda é constituído sobretudo de entidades extraídas de um passado histórico que remonta pelo menos ao século XIX. Ela nunca incorporou, sistematicamente, os espíritos de homens e mulheres ilustres contemporâneos que marcam o universo das entidades do espiritismo kardecista.
Isso é um pouco do que a história nos trás quando estudamos o motivo da deturpação de exu, suas linhas e falanges, separados no panteão dos demais orixás e colocado, de forma marginalizada, a “esquerda” da religião, desde o começo dos cultos no Brasil, escondidos dentro das senzalas ou de forma aberta nos quilombos,
A igreja católica, grande responsável pela “reestruturação forçada” da religião africana e suas vertentes, tentou ao máximo, encaixar a fé do negro escravizado, nos moldes da fé européia. Não se podia mais, a partir daquele momento, adorar santos africanos, mas co-relacionados pela história e itans, os santos católicos, cada orixá tinha uma ligação de afinidade com um santo, seja pela luta e proteção do seu povo, seja pelos milagres e fé, sobrando para o misterioso Exu, o sincretismo como demônio católico, o mesmo demônio que seduziu e tentou cristo no deserto, carregado com o mal do mundo, do que qual só atua onde existe dor, enganação, tormento e mentira. Pois bem, se o Cristo (que está sentado a “DIREITA” de Deus pai todo poderoso) foi fundido com Oxalá, os demais orixás sincretizados com Santos do “Cristo” ocuparam o mesmo lugar de honra a mesa de um Rei .. o lado “DIREITO”, sobrando ao agora endemoniado EXU a esquerda, o resto, o lado que não se olha antes de escarnecer.
Podemos também, interpretar a casa de EXU ao lado esquerdo, por uma visão do “psique”, muito usada por seguidores de allan Kardec, que também ajuda a sustentar a TESE que o lado esquerdo vive o negativo.
Felipe Salles Xavier (2010), em seus estudos psicológicos e na iniciação da ciência de cabalas, diz:
“Sempre associamos inconscientemente a parte esquerda do corpo com algo negativo, pois biologicamente e culturalmente não desenvolvemos este lado, evoluímos desenvolvendo o lado direito. O lado esquerdo mostra no esquema corporal o coração que é símbolo da emoção e também é o lado do inconsciente, pois é o lado menos trabalhado, e nele existem muitas emoções perdidas e não trabalhadas, por isso o associamos ao impuro e ao escuro, pois está mal resolvido e escondido. Também está associado à mãe.”
E da um parecer a “direita”
Já o lado direito é naturalmente o lado mais desenvolvido na maioria das pessoas, é o lado do “trabalho” porque evoluímos utilizando essa parte do corpo, portanto é a zona do consciente, da luz, pois é o que conhecemos e temos a percepção mais avançada.
Com o que foi apresentado até aqui, podemos, dentro do lado cultural assimilar como foi constituída as definições de separação por polaridades dos Deus africanos e seus intercessores, mas e no lado prático, como trabalhar essa informação?
A umbanda é totalmente ritualística, baseado numa estrutura que envolve, nos dias de hoje, o conhecimento de outras 4 religiões na miscigenação:
Católica formação moral do “bem” e do “mal”, da base de “céu” e “inferno”, do lado negativo do Deus único que se vinga se for desobedecido; (aqui podemos dizer que até o lado de ira do Deus católico, sobrou a figura de Exu como punitivo e vingativo).
Indígena respeito a natureza, invocação dos espíritos naturais e elementares, cultivo de plantas para o trato do corpo e da alma, liderança espiritual para o grupo, fé em rezas e rituais, culto ao espírito como elemento verdadeiro do corpo)
Espiritismo (allan Kardec) Evolução do espírito baseado na caridade, reencarnação, LEI da ação e reação, quebra de dogmas.
Cultos africanos: Culto as divindades (orixás voduns e inquices), culto a baba egun (ancestralidade), manipulação de elementos, criação de comunidades em volta da fé de forma hierárquica (Ilêaxé = casa de santo), rezas, e a formação litúrgica de nossos cantos, rituais e tratos.
O lado esquerdo, dentro de um terreiro ou casa de santo, é tratado como uma extremidade importante, nela tratamos de um orixá com grande carga ritualística, EXU. Temos nesse trato, a garantia de caminhos em nossa casa, da comunicação entre o Oiyó (mundo dos orixas) e o Aiyé (mundo terreno), pedimos também a exu e suas linhas, proteção dos trabalhos e firmeza do chão, já que a umbanda trabalha em quase sua totalidade, com espíritos (eguns), pedimos que exu seja o controlador e limitador desses espíritos, grande aconselhador, já que é o único orixá que põe os pés em nosso mundo e conhece no intimo o sentimento e vivência humana, amigo de todas as horas, mas lembrado de verdade nas horas de dificuldades, em momentos escuros de nossa vida. Ao seu lado, temos a Pombogira como já explicado neste trabalho, lado feminino da força de “esquerda”, humana no trato, conhecedora do coração humano e das traições do destino.
Diferente do que a cultura e a história apresenta o lado “ESQUERDO” de nossa fé, em nossas casas de santo, extinguimos a estrutura frágil lapidada pelos europeus e colocamos sim, EXU, juntamente aos outros orixás, nem do lado direito, e nem do esquerdo; mas no meio de nossa fé, pois são agentes de equilíbrio. A esquerda, se torna um local de grande destaque, a primeira a ser limpa, alimentada, rezada e firmada no dia a dia de nossos trabalhos fraternos, ao fim, também são lembrados e saudados, para que continuem dentro de nossas vibrações, proteções e que leve nossos pedidos e mensagens até olodumaré.
Podemos ver, até mesmo na política, a mesma definição para esquerda e direita: enquanto uma (a direita), luta pela conservação de moral e costumes ditos como corretos, a outra (esquerda), luta pelo mais frágil, pelo desigual e pela quebra de paradigmas e conceitos.
O bem ou o mal, não estão definidos pelo lado escolhido, mas sempre será disseminado pela força do pensamento, pela intenção e vontade emitidas do nosso cérebro e de nosso coração, direita ou esquerda, a maldade não pertence a exu, pertence ao ser humano.
BIBLIOGRAFIA
ARCELLÁ, Luciano. (1980), Rio macumba. Roma, Bulzoni.
FRY, Peter. (1975), “Duas respostas à aflição: umbanda e pentecostalismo”. Debate e crítica, n° 6, pp. 79-94.
OMOLUBÁ, Babalorixá. (1990), Maria Molambo na sombra e na luz. 5a. edição, Rio de Janeiro, Pallas.
C. P. F., PRANDI, Reginaldo et al. (1973), Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis, Vozes. CONTINS, Márcia. O caso da Pombagira: reflexões sobre crime, possessão e imagem feminina. (1983), dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Museu Nacional.
http://www.anpocs.org.br/
Dados extraídos de conversas com Babalorixa Jefferson de Campos, Dofona Maria amélia, conhecimentos passados por gerações, através de fé e amor, sem necessidade de escrita, apenas vivência, como acontece a milênios na cultura africana e indígena.
Комментарии